segunda-feira, 28 de julho de 2008

MEU VIVER por RICARDO GONDIM


MEU VIVER - RICARDO GONDIM

Posted: 22 Jul 2008 12:59 PM CDT

Meu viver não tem alardes, não precisa de holofotes, não busca confetes. De manhã, contento-me com pão e café com leite; no almoço, arroz e feijão com bife acebolado; no jantar, um mero café com leite. Meu jeans é barato, meus sapatos têm o salto gasto pelo lado de fora e os ponteiros do meu relógio não são de ouro.

Meu viver se afasta dos espalhafatos. Tenho poucos testemunhos surpreendentes para contar. Na maioria das vezes falo e ninguém é arrebatado. Querubins não aparecem quando invoco a proteção divina. Sou parceiro de pessoas comuns. Convivo com mães que lavam tanques de roupa e com homens que administram nervosamente saldos bancários. Sou amigo de Silvas, Souzas, Pereiras, Rodrigues.

Meu viver é árduo. Convivo com dúvidas. Lido com desejos impossíveis. Conheço mães de crianças com síndromes genéticas. Aconselho pais de narco-dependentes. Abraço alcoólicos. Não sei distanciar-me do drama humano. Não consigo creditar o sofrimento universal na conta da “providência”. Não repito o pessimismo antropológico que considera as crianças víboras, prestes a mostrar a peçonha que herdaram de Adão. Choro com as condições subumanas dos muçulmanos. Não aceito que a miséria da Índia seja fruto de idolatria, mas da rapinagem do imperialismo inglês. Não me conformo com o descaso que os colonialistas demonstram com a miséria que produziram na África e na América Latina.

Meu viver é amedrontador. Vivo a refutar as minhas próprias conclusões e zombo das minhas certezas. Sei que, caso leve até às últimas conseqüências o que penso, criarei paradoxos e destruirei os parapeitos das minhas convicções. Vivo na beira de grandes crises. Sou vizinho dos hereges. Sento-me na roda dos contestadores. Sei que assim me condeno ao exílio, desperdiço convites tentadores e abro mão de conviver com os notórios.

Meu viver é angustiado. Não me conformo com a brevidade da vida. Quero conhecer todas as geleiras, escalar todas as montanhas, mergulhar em todos os oceanos. Falta-me tempo para ler romances, para entender os mestres da filosofia, para degustar os melhores poetas, para meditar ao lado dos santos. Quero viver, mas sei que é impossível impedir que a areia da ampulheta vaze.

Contudo, meu viver é feliz. Aprendi a transformar cada refeição numa Ceia Sagrada. Cada aperto de mão se tornou em um pacto de amizade. Cada beijo, em uma declaração de amor. Aprendi a rir de minhas onipotências e a chorar com os desafortunados.

Meu porvir se enche de esperança. Sei que a frágil semente que planto ainda há de transformar-se em um frondoso carvalho. Caso minha breve existência não brilhe como a luz do sol, descanso em ser um lampião que ilumina a senda de alguns justos.Sinto que acendi o rastilho de pólvora que no futuro explodirá os moldes intolerantes da religião.

Soli Deo Gloria.


*** Este texto chegou até mim através de Mary Elen Solano