Chega às livrarias ‘A Privataria tucana’, de Amaury Ribeiro Júnior, CartaCapital relata o que há no livro.
Na edição que chega às bancas nesta sexta-feira 9,
CartaCapital traz um relato exclusivo e minucioso do conteúdo do
livro de 343 páginas publicado pela Geração Editorial e uma entrevista com
autor (reproduzida abaixo). A obra apresenta documentos inéditos de
lavagem de dinheiro e pagamento de propina, todos recolhidos em fontes
públicas, entre elas os arquivos da CPI do Banestado. José Serra é o
personagem central dessa história. Amigos e parentes do ex-governador
paulista operaram um complexo sistema de maracutaias financeiras que
prosperou no auge do processo de privatização.
Ribeiro Jr. elenca uma série de personagens
envolvidas com a “privataria” dos anos 1990, todos ligados a Serra, aí
incluídos a filha, Verônica Serra, o genro, Alexandre Bourgeois, e um
sócio e marido de uma prima, Gregório Marín Preciado. Mas quem brilha
mesmo é o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, o
economista Ricardo Sérgio de Oliveira. Ex-tesoureiro de Serra e FHC,
Oliveira, ou Mister Big, é o cérebro por trás da complexa engenharia de
contas, doleiros e offshores criadas em paraísos fiscais para
esconder os recursos desviados da privatização.
O livro traz, por exemplo, documentos nunca
antes revelados que provam depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati,
participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, antiga
Telemar, hoje OI, na conta de uma companhia de Oliveira nas Ilhas Virgens
Britânicas. Também revela que Preciado movimentou 2,5 bilhões de dólares
por meio de outra conta do mesmo Oliveira. Segundo o livro, o
ex-tesoureiro de Serra tirou ou internou no Brasil, em seu nome,
cerca de 20 milhões de dólares em três anos.
A Decidir.com, sociedade de Verônica Serra e
Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, também se valeu do
esquema. Outra revelação: a filha do ex-governador acabou indiciada pela
Polícia Federal por causa da quebra de sigilo de 60 milhões de
brasileiros. Por meio de um contrato da Decidir com o Banco do Brasil,
cuja existência foi revelada por CartaCapital em 2010, Verônica
teve acesso de forma ilegal a cadastros bancários e fiscais em poder da
instituição financeira.
Na entrevista a seguir, Ribeiro Jr. explica
como reuniu os documentos para produzir o livro, refaz o caminho das
disputas no PSDB e no PT que o colocaram no centro da campanha eleitoral
de 2010 e afirma: “Serra sempre teve medo do que seria publicado no
livro”.
CartaCapital: Por que
você decidiu investigar o processo de privatização no governo Fernando
Henrique Cardoso?
Amaury Ribeiro Jr.: Em 2000,
quando eu era repórter de O Globo, tomei gosto pelo
tema. Antes, minha área da atuação era a de reportagens sobre direitos
humanos e crimes da ditadura militar. Mas, no início do século, começaram
a estourar os escândalos a envolver Ricardo Sérgio de Oliveira
(ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do Brasil).
Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca mais
abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo
disso.
CC: Quem lhe pediu para
investigar o envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de
dinheiro?
ARJ: Quando comecei, não
tinha esse foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a
trabalhar em Belo Horizonte, como repórter do Estado de Minas.
Então, me pediram para investigar como Serra estava colocando espiões para
bisbilhotar Aécio Neves, que era o governador do estado. Era uma
informação que vinha de cima, do governo de Minas. Hoje, sabemos que isso
era feito por uma empresa (a Fence, contratada por
Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando
que foi usado dinheiro público para isso.
CC: Ficou surpreso com o
resultado da investigação?
ARJ: A apuração demonstrou
aquilo que todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas
coisas que o PSDB sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de
contrainformação. Isso ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no
caso da Lunus (que derrubou a candidatura de Roseana Sarney,
então do PFL, em 2002) e o núcleo de inteligência da Anvisa
(montado por Serra no Ministério da Saúde), com os
personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e
ex-deputado federal tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro
é que esse mesmo pessoal trabalhou na campanha de Fernando Henrique
Cardoso, em 1994, mas sob o comando de um jornalista de Brasília, Mino
Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá (Idalísio dos Santos,
araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da
PF).
CC: O que você foi fazer
na campanha de Dilma Rousseff, em 2010?
ARJ: Um amigo, o jornalista
Luiz Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha
da Dilma. Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de
informações na casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no
Lago Sul de Brasília. Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado
gente para roubar informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou
três pessoas, tudo aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação
totalmente complicada.
CC: Você foi chamado
para acabar com os vazamentos?
ARJ: Eu fui chamado para dar
uma orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz
de resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com
o Dadá, que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha
nada de grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo
de inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira
deliberada. Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no
restaurante Fritz (na Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu
percebi que tinha caído numa armadilha.
CC: Mas o que,
exatamente, vocês pensavam em fazer com relação aos
vazamentos?
ARJ: Havia dentro do grupo
de Serra um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência)
que tinha se desentendido com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando
Barcellos, conhecido na comunidade de informações como “agente Jardim”. A
gente pensou em usá-lo como infiltrado, dentro do esquema de Serra, para
chegar a quem, na campanha de Dilma, estava vazando informações. Mas essa
ideia nunca foi posta em prática.
CC: Você é o responsável
pela quebra de sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência
da Receita Federal de Mauá?
ARJ: Aquilo foi uma armação,
pagaram para um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em
Mauá, nunca estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de
contrainformação, uma especialidade do PSDB.
CC: E por que o PSDB
teria interesse em incriminá-lo?
ARJ: Ficou bem claro durante
as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona.
Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me
contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até
jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de
mim, primeiro com a história de Eduardo Jorge Caldeira
(vice-presidente do PSDB), depois, da filha do Serra, o que é uma
piada, porque ela já estava incriminada, justamente por crime de quebra de
sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa coisa porque,
no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter sido
colocado de lado na campanha de 2010.
CC: Mas o fato é que
José Serra conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de
Minas.
ARJ: É verdade, a matéria
não saiu. Ele ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de
Minas e, de quebra, conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos
do jornal. Nenhuma novidade, porque todo mundo sabe que Serra tem mania de
interferir em redações, que é um cara vingativo.
Não, não era uma invenção ou uma desculpa esfarrapada.
O jornalista Amaury Ribeiro Jr. realmente preparava um livro sobre as
falcatruas das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Neste
fim de semana chega às livrarias “A Privataria Tucana”, resultado de 12
anos de trabalho do premiado repórter, que durante a campanha eleitoral do
ano passado foi acusado de participar de um grupo cujo objetivo era
quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos. Ribeiro Jr.
acabou indiciado pela Polícia Federal e tornou-se involuntariamente
personagem da disputa presidencial.
Fonte: Carta Capital